Culinária Amazônica: o que se come na região?

A Culinária Amazônica ou nortista, de influência indígena, utiliza os peixes de água doce da bacia local, como pirarucu, tucunaré e tambaqui. Característicos dessa área são o pato ao tucupi refogado e sopa de carne de tartaruga, casquinhas de muçuã, feijão de coco, caldeirada de peixe, tacacá e refresco de açaí.

Norte: Cozinha Amazônica

Isso de comer em pé, rapidamente, muito antes de ser uma importação e um estrangeirismo, já era prática no Acre, no Amazonas e no Pará, onde é possível fazer uma boa refeição andando em volta das tacacazeiras, dos fogareiros de munguzá, dos tabuleiros de beijus, dos paneiros onde ferva a pupunha.

Com uma vantagem (segundo o professor Silva Melo): comendo direto, com as mãos, dispensada a cutelaria de mesa, os intermediários garfo e faca, o homem da terra exercia melhor o prazer da comida, sua intimidade, que agora a ciência começa a redescobrir, quando aconselha às crianças comer com as mãos e admite que as mãos comandam o paladar.

E o que se come nas ruas?

Tacacá – O tacacá que uns dizem ser bebida, outros teimam ser comida, por conta do molho de pimenta, dos camarões e do jambú, infusão explosiva, capaz de substituir um jantar.

Tacacá que se toma, obrigatoriamente, na cuia, e que não passa de tucupi com camarão fervido dentro, temperado com uma colherada de molho de sal, pimenta-de-cheiro e alho, mais o jambu (planta que os naturalistas classificam como Wulfia stenoglossa) e cujo papel é prolongar na língua e nas paredes da boca um ardume sensual e entorpecente.

Come-se piquiá, um fruto polpudo e oleoso que deve ser cozido para comer no intervalo das refeições, mas que os pobres comem como refeição: alimento forte e cheio de calorias.

Do piquiá, aliás, faz-se o licor de piqui, bebida fina.

Come-se pupunha, coquinhos verdes que devem ser fervidos com sal para ficarem vermelhos ou amarelos, bem oleosos, apetecíveis, salgadinhos do melhor aroma e sabor, que besuntados de mel tornam-se sobremesa de lamber os beiços.

Consome-se cará, um tubérculo que, cozido com sal, fica muito saboroso, e, quando passado no mel, se transforma em uma deliciosa sobremesa. Também há o munguzá, um mingau de milho com pedacinhos de coco, folhas de louro e outros toques especiais; o mingau de banana, feito com banana verde, ralada e fervida no leite; e a castanha-do-pará, descrita como “um prato dentro de uma noz”.

Além disso, há os casquinhos: de siri, de caranguejo, de mussuã e de aperema. A maniçoba, preparada em grandes paneladas, é muito procurada nas bancas dos mercados e nas festas de arraial, embora seja um prato perigoso tanto pelo seu aspecto quanto pela complexidade de sua elaboração. Outros pratos incluem unha-de-caranguejo e unha-de-siri, e o ariá, uma espécie de rabanete de sabor selvagem e agradável, que deve ser cozido em água e sal.

Temos ainda o caramujo (o “escargot” indígena), preparado após uma fervura em molho de limão; o aviú, um camarãozinho microscópico; o arubé, uma pasta de mandioca com alho, sal, pimenta-malagueta e até tanajura torrada, usada como molho para peixe; e a mixira, carne de peixe preparada em fogo brando e conservada em gordura de porco.

Por fim, para descrever o paraense típico, é preciso mencionar o papa-xibé (ou caribe), uma mistura simples de água, farinha de mandioca e açúcar, que não se encontra pronto à venda nas ruas.

Mas que ninguém imagine encontrar no dia-a-dia da mesa amazônica os pratos típicos dessa cozinha. O trivial mesmo é feijão com arroz, sopas e guisados. A carne mais do que o peixe. Para comer o típico é preciso ir em casa de família, a convite. Sabendo que dá trabalho, exige muito boa cozinheira e tudo é cada vez mais difícil, porque até a matéria-prima já não se encontra com a facilidade de antigamente.

A Tartaruga, de cada parte faz-se um prato diferente, cada um melhor que o outro, a começar pela famosa sopa; O Pirarucu, – o bacalhau amazônico – o pirarucu come-se fresco, mas o mais comum é comer a sua carne seca e salgada. Descamado e escalado em mantas, é posto ao sol, sobre tendais, coberto de sal grosso. E então é consumido, grelhado, desfiado ou cozido;

O Peixe-boi, na verdade é um mamífero que os tupis chamavam yauarauá, ipupiara ou garaguá. Vegetariano, muito manso, brincalhão, um dos grandes espetáculos é vê-lo em grupo na época da “cavalgação”, na cruza, feita aos pulos, fora da água, parecendo uma luta de gigantes.

Segundo José Veríssimo (A Pesca na Amazônia), “sua carne, sua banha, seu couro, seus ossos obtiveram, durante mais de dois séculos, senão ótimos preços, excelente reputação, quer como alimento, quer como produto para iluminação, quer como material para objetos que reclamam resistência superior à da sola…”

Mas é na sobremesa, certamente, que se vê a superioridade da cozinha amazônica, com a variedade, a originalidade, a singularidade e o exotismo dos seus frutos.

Além dos frutos que são verdadeiros pratos, como o açaí, o piquiá, a pupunha e o pripriá, a Amazônia oferece maravilhas como o bacuri, metade flor, metade fruto, que o barão do Rio Branco adotou como sobremesa dos grandes banquetes oficiais do Itamaraty. (“Anote-se, entretanto”, adverte Osvaldo Orico, “em favor da benevolência de seu paladar, que o fruto em calda enlatada para exportação, está longe de ser o pomo dourado que acode cientificamente pelo nome de Platonia insignis…”)

Pena que o bacuri fresco não emigra, é uma fruta delicada e perecível, que deve ser apanhada e comida no mesmo dia, apesar da casca resistente que a protege.

Colhido, em 24 horas perde a frescura da polpa, azeda, apodrece. O bacuri come-se fresco, em calda, em sorvete, creme e pudins, disputando com o cupuaçu a preferência local.

Menos internacional, menos famoso fora lá, é igualmente apreciado e disputado pela gente da terra. Seja como vinho, compota, geléia, doce, pudim ou rebuçado.

Sua casca espessa e resistente não impede o perfume do fruto, uma polpa ácida e selvagem.
Outro fruto muito apreciado é o murici (ou muruci), um grãozinho amarelo ou oliva, de sabor adocicado e convidativo: a cereja tropical, porque sua temporada é curta, criando o refrão “em tempo de murici, cada um cuida de si”. Também se faz vinho, doce, geléia, rebuçado, compota, e exporta-se enlatado em calda.

Terra do uxi, umari, pupunha, piquiá, mangaba, jenipapo, araçá, araçari, jinja, pitanga, grumixama, maçaranduba, caju, jambo, abio, sapotilha, buriti, ingá, maracujá, ajuru, cutitiribá, ata, tucumã, graviola, camapu, camutin, inajá, sorva, carambola, cubiu, taperebá, do melhor ananás do mundo e das mangas mais variadas, perfumadas, doces, ainda tem as castanhas, dita do Pará (Bertholeia excelsa), que o mundo come chamando de brazilian nut (a noz brasileira), e com a qual é possível abrir uma confeitaria.

Só que, agora, é tempo de Zona Franca em Manaus e a gente da terra está mudando de hábitos. Sopa de tartaruga está difícil, mas é fácil encontrar qualquer sopa de lata, das que não podem dispensar o rótulo para que se saiba o que é que estamos tomando.

Até os frutos da terra foram substituídos, já perderam a importância para os sucos de uva e maçã enlatados e é mais fácil encontrar sucos do Havaí do que da terra. Até o guaraná perdeu a importância, agora é bebida de gentinha.

O requeijão morreu ou está à morte, que o bonito é consumir queijo da Holanda, Suíça, França e Dinamarca, ou da Nova Zelândia.

Desnacionaliza-se a alimentação.

Pirarucu? Bacalhau norueguês.

Sorvete de araçá? Gelado de morango.

Caramujo? Escargots.

A única e verdadeira cozinha brasileira está ameaçada de morte, nas mãos dos supermercados e das facilidades de importação. A não ser que aconteça como na anedota que Osvaldo Orico conta, citando o santo:

“Emiliano Frade, que comprou foie-gras e gostou. Muito. Tanto que comprou umas latas e levou pra casa, onde comia com farinha-d’água.”

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *